Espaço destinado aos ecos, silêncios e construção do pensamento.
Aos limites da racionalidade, mas sobretudo na reflexão sobre a grande pólis que embarcamos todos os dias, nesta vida. O mundo, seja bem-vindo.
Espaço destinado aos ecos, silêncios e construção do pensamento.
Aos limites da racionalidade, mas sobretudo na reflexão sobre a grande pólis que embarcamos todos os dias, nesta vida. O mundo, seja bem-vindo.
Os recentes acontecimentos na cidade de Charlottesville, são de uma enorme gravidade na medida em que os seus ecos podem contagiar a Europa. Uma ideia de supremacia branca, o erguer bandeiras nazis ou uma simples saudação, arrepia qualquer um e estremece o coração de qualquer cidadão que paute pelos valores da tolerância, solidariedade e respeito pelas etnias pelas diferenças.
Trump encontra-se perdido, por um lado, num discurso de apaziguamento que não é mais que uma tentativa de desresponsabilização pela sua inoperância, enquanto chefe dos Estados Unidos. Por outro, no plano económico assume a função de CEO de uma empresa multinacional, vangloriando-se dos êxitos, como sendo da sua responsabilidade, mesmo que para esse êxito sejam revertidas políticas que visam pôr em causa a sustentabilidade e até mesmo as preocupações ambientais. Estes dois conceitos surgem mesmo como tabus na sua administração. Rasgar o Acordo de Paris,constituirá um profundo retrocesso para o equilíbrio global que tanto precisamos, na medida em que depois do fracasso de Quioto, Paris surgiu como uma derradeira oportunidade para os decisores políticos salvarem o planeta.
Quanto à relação com o exterior, apesar de oito anos em que os Estados Unidos abandonaram, de forma direta - intervencionista em alguns pontos do globo, não deve ser deixado de salientar que os dossiers Síria, Iraque, Afeganistão, Líbia e Egito foram o calcanhar de Aquiles na Administração Obama, apoiando de uma forma indireta alguns grupos, que em nada se revêm nos princípios da democracia ou desconhecendo qual a sua proposta politica para o país.
Não sendo favorável a qualquer tipo de intervenção militar, excetuando no caso de ser suportado por via de resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a intervenção na Síria era é absolutamente indispensável, pelas atrocidades aí cometidas, ou diria mesmo, os genocídios, os crimes contra a humanidade que daí decorreram e decorrem. Por muito que os nossos olhos possam estar neste momento na atual situação na península coreana ou na Venezuela, não devemos esquecer nunca Aleppo. Os olhos do mundo não se devem desviar do que aí ocorre, a preocupação deve ser constante e continua.
A administração Trump, assume o caráter bélico como uma hipótese e até mesmo a solução, com vista à resolução dos presentes focos de tensão existentes, desconhecendo os riscos que um novo conflito possa trazer. Tal como já escrevi, o mundo vive um dos períodos mais tensos desde 1945, um autêntico contrarrelógio, onde o limite parece ser um mero obstáculo que facilmente é ultrapassado. Para já, não assistimos ao som das armas, mas o ruído que é provocado estremece as nossas vidas.
Preocupa-me que do outro lado do Atlântico, haja uma ausência de responsabilização e de uma certa passividade perante posições que põem em causa os princípios fundadores da sociedade a que hoje pertencemos. Os recentes acontecimentos nos EUA servirão de farol inspirador, para a (re) issurgência de movimentos, como o caso polaco, checo, húngaro que são terrenos férteis para a propagação destas ideias. Não devemos olhar para estes fenómenos, como atividade isoladas ou espontâneas, mas como um alerta para a fragilidade do modelo político, social e económico que vigora na Europa desde o colapso soviético. Faz sentido compreender que estes movimentos surgem pela ausência de resposta às principais preocupações dos cidadãos, pelo sentimento de desconfiança face às instituições e até mesmo nos partidos políticos, que são um pilar fundamental para a consolidação democrática, mas que muitos encaram como os responsáveis pela atual situação, que hoje vivemos.
A democracia não é um estado permanente, cabe-nos consolidar e até mesmo aprofundar com vista ao seu reforço, com todos e para todos.
Para os que julgavam que a guerra fria terminou em 1989, enganem-se, ela continua bem presente e entre nós. Os protagonistas não mudaram, Estados Unidos e Rússia, que com os seus parceiros, assumem claras divergências nos principais assuntos internacionais.
Mas convém realçar que o acontecimento mais importante de consonância entre os dois países, foi este ano e tem um interveniente português. Falo-vos da eleição de António Guterres para Secretário-Geral das Nações Unidas. Um momento em que o embaixador russo nas Nações Unidas consagra o nome de Guterres em Nova Iorque após a reunião dos membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, na sede da organização. É sem dúvida um facto político a não descurar na cena política internacional nas relações entre a Rússia e os EUA, em que ambos concordaram na escolha de um secretário-geral das Nações Unidas.Processo que necessita de uma reforma, pois não deveriam ser permitidas candidaturas com o jogo a meio, como aconteceu nestas eleições.
Neste artigo, não apresentarei a narrativa de acontecimentos sobre as relações entre Estados Unidos e Rússia nos últimos 27 anos. Mas realço a ação político-diplomática que o ainda o Presidente dos Estados Unidos tem tido na tentativa de resolução e de aproximação a Moscovo, mas sem o sucesso esperado. Ao invés, parece que voltou o telefone vermelho entre a Casa Branca e Moscovo, como aquele que decorreu na primeira parte desta constante tensão ocidente-leste.
Vivemos talvez o período mais tenso entre estes dois países no século XXI. O xadrez político tem vários tabuleiros, nomeadamente, na problemática da Síria, Crimeia e no combate ao Daesh, e até no próprio continente europeu com as fronteiras a leste. E talvez seja aqui um problema sério, que tem sido descurado por parte das autoridades europeias, mas que as autoridades nacionais dos países da União Europeia a leste têm alertado. Uma enorme vulnerabilidade dentro da Europa.
Após a extinção do Pacto de Varsóvia, muitos dos países que integravam esta aliança militar com Moscovo foram inseridos na Aliança Atlântica, algo que nunca foi muito bem aceite pelas autoridades russas, que consideravam a sua integração como uma espécie de provocação. Aliás, é a leste que as forças da NATO têm tido os seus principais testes e simulações.
Por outro lado, Moscovo aproxima as suas tropas para junto das fronteiras dos países bálticos, Ucrânia e Bielorrússia. Aliás, na Lituânia a sua população parece preparar-se para o pior. Como resposta a estas “provocações” a força aérea russa, tem sobrevoado o espaço aéreo de países membros da organização atlântica, como é exemplo Portugal.
O exército russo, assume já as posições estratégicas como fazia no tempo da antiga União Soviética. As constantes ameaças do Presidente Vladimir Putin devem ser vistas como uma forma silenciosa de ocupar posições estratégicas no continente europeu e no reforço da hegemonia político-militar no leste europeu e na Ásia Central. A ingerência russa em territórios problemáticos como a Ossétia (Geórgia) e a Crimeia (Ucrânia) é uma forma de ocupação encapuçada, assumindo posições geoestratégicas no Cáucaso e no Mar Negro. No entanto, a Comunidade Internacional compactuou(a) com uma situação semelhante, a Chechénia, sendo caracterizado como um “assunto doméstico”.
Por sua vez, os Estados Unidos, poderão vir a assumir um papel diferente nas suas relações com Moscovo, uma vez que o novo inquilino da Casa Branca, Donald Trump, defende uma aproximação entre os dois países. Na sua campanha eleitoral, sempre realçou a necessidade de aproximação, bem como, desvalorizou a importância da NATO. Tendo em conta as suas declarações, parece que o novo Presidente dos Estados Unidos, despreza a importância que esta organização tem na garantia da segurança do espaço europeu e até mesmo dos países da América do Norte. Sejamos claros, embora seja um defensor incondicional da paz no principio consagrado das Nações Unidas, a posição desta nova administração poderá ditar a criação de um sistema de defesa europeu, ou seja, o exército europeu, de forma a que a Europa não se torne refém das pretensões políticas de Donald Trump que tem sobre a NATO.
E essa aproximação de Trump com Putin, será a cedência dos EUA aos objetivos russos ou voltaremos a ter a política bélica e intervencionista dos EUA nos diferentes pontos do globo? Os próximos quatros anos, serão a resposta a essa pergunta. Enquanto o tempo passa, mais dúvidas nos surgem e as incertezas poderão converter-se em certezas.
Quanto à Síria, é um autêntico barril de pólvora que se poderá traduzir num conflito regional generalizado, onde se jogará novamente a política de alianças. O sistema de alianças político-militar, está desde já assumido por parte de alguns líderes políticos dessa região. Tendo em conta as declarações do Presidente sírio à RTP, ficou bem demonstrado a sua desconsideração face à Turquia e a forma como esta tem sido liderada.
No entanto, convém relembrar que a Turquia é membro da NATO, mas que tendo em conta a tensa relação atual com o ocidente, esta aproximou-se da Rússia, que não é encarada com bons olhos por parte do ocidente. O posicionamento da Turquia, poderá ser determinante para paz regional. Assim como não deverá ser descurada a situação iraquiana, que ainda tem uma enorme fragilidade política e que tem uma guerra civil no seu território, principalmente a norte, contra os combatentes do Estado Islâmico. A debilidade nesta região poderá ainda ser maior, com o reacender da questão curda, a reclamar para si um território. Um conjunto de ingredientes explosivos que põe esta região numa corrida contra o tempo, onde a incerteza é o fator dominante.
O problema sírio, é talvez uma das maiores derrotas que a Ordem Mundial, assente desde 1991, está a ter. Os relatos de terror ocorridos neste país asiático, são autênticos atos de guerra, cometidos pelas diferentes forças em confronto. Os esforços diplomáticos na resolução deste conflito têm sido insuficientes ou diria, de uma enorme inoperância, fazendo com que cada vez mais inocentes morram e sofram, a cada dia.
As atrocidades cometidas em Alepo, devem ser consideradas como autênticos crimes de guerra, sendo os responsáveis condenados nas instâncias internacionais. A sua desresponsabilização conduziria a uma vitória das balas sobre o Direito Internacional e sobre o principio fundamental das Nações Unidas, a que todos os países inscritos. Alepo não é apenas uma cidade na Síria - é o estado do mundo. Onde o grito do medo ecoa pelas ruas vazias e frias da cidade. Um coração de um povo que sofre o terror das balas.
Poderia considerar-me um catastrofista, considerando inevitável um conflito global com repercussões inimagináveis, mas prefiro para já denominar esta situação, como a parte dois da guerra fria, com o ressurgimento da Rússia.
Embora para os principais líderes mundiais este cenário pareça um pesadelo ou filme, atrevo-me a utilizar o título de um filme de 2002, intitulado a Soma de Todos os Medos, mas que aqui o resultado não é ficção, é real.
Muito se especulava para este ano de 2016 em termos políticos. Nem nos piores pesadelos os defensores da ordem mundial, pós-1945 ou fim da União Soviética, imaginariam as transformações geopoliticas que hoje estamos a viver.
A terrível fuga dos refugiados de cenários de guerra localizados no Médio Oriente e na África subsariana, faz com que encarem o continente europeu como a porta da liberdade. Mas em alguns estados, nomeadamente mais a leste, barram-lhes o acesso com imposições de barreiras, físicas ou legais, como foi o caso da Hungria, por decisão do seu PM, Viktor Orban. Uma clara violação do Direito Internacional, bem com dos príncipios fundadores da União Europeia. Pois bem, será que falemos em União ou Desunião? Atribuo essa avaliação ao leitor.
Este ano, as mudanças ocorrem de uma forma tão acelerada como a velocidade da internet que temos em nossas casas. Comecemos com o Brexit, suportados por uma ideia de independência - grito de Farage. O Reino Unido sairá da União Europeia. Esta situação desencadeará profundas transformações na sociedade britânica em todos os domínios, até no próprio mapa geopolitico da Grã- Bretanha, uma vez que a Escócia defende a manutenção do país na UE. Teremos do lado escocês uma espécie de grito de Edimburgo - Independência ou UE.
O Brexit foi é e será um desafio dos 27, que ainda se encontram a braços com a crise, à exceção da Alemanha.
Esta retrospetiva dos acontecimentos, faz antever um ano de 2017 ainda mais incerto e até mesmo receoso. Por fim, falar de duas situações muito sensíveis: Espanha, Estados Unidos e França, deixando esta para o próximo post.
Quanto à Espanha, que ao fim de quase um ano de impasse politico, tem um Governo suportado por uma minoria parlamentar (PP e Ciudadanos), Mariano Rajoy terá uma situação muito complicada. Um parlamento às avessas, face à atual situação em que se encontra o principal partido da oposição o PSOE, a irreverência do Podemos e a frágil cooperação dos Ciudadanos. Mas para além desta fragilidade parlamentar, a situação regional poderá tornar-se em mais um desafio para as autoridades do país vizinho, a propósito da questão catalã. Julgo que mais tarde ou mais cedo, haverá a necessidade de um referendo à Independência da Catalunha, ou por ação do Governo da Catalunha ou por exigências dos partidos regionais com representação no parlamento espanhol. Embora tenham pouco expressão, poderão ser suportados pelo Podemos e por alguma ala mais independentista do PSOE. Por outro lado, a pressão externa resultante do Brexit, com a posição escocesa que atrás referi.
Por fim falar, dos EUA, em que o triunfo eleitoral de Donald Trump, desencaderá na Europa as réplicas do seu discurso. Um discurso populista, alicercado na promessa de emprego para todos, na redução da carga fiscal. Trump revelou também um sentimento anti-refugiados, bem como, alguns dos seus apoiantes defenderam um princípio que julgaramos esquecido, como o da supremacia branca. Esta forma politica poderá servir como pão para a boca em alguns países europeus, que venham a ter eleições no próximo ano, como é caso da Alemanha, França e Holanda.
2016, é a vitória do ceticismo sobre o progresso, Trump, May, Boris Johnson, Marine Le Pen, Viktor Orban, são o rosto do Ceticismo descontente, que vai colhendo os frutos, que a crise semeou. 2017, poderá ser ainda mais... (escolha a palavra). De uma coisa é certa, vivemos tempos sombrios e pouco conhecidos.